A salada da formação superior

Imagino que muitos dos leitores estejam planejando ou iniciando sua educação superior, que se refere a todas as atividades acadêmicas e educativas ocorridas após a conclusão da educação básica (que por sua vez compreende os ensinos infantil, fundamental e o médio, enfim, os nossos “anos de escola”).

Este assunto causa muitas dúvidas, agravadas por conta dos vários termos específicos da área: bacharelado, licenciatura, tecnólogo, curso sequencial, MBA, pós-graduação, mestrado, doutorado, entre tantos. Uma “salada” que não nos ajuda muito a pensar sobre os rumos que escolheremos para nossa formação, não é?

Neste artigo abordaremos de forma didática a organização formal da educação superior no Brasil, com o objetivo de ajudar os amigos leitores a entenderem esse balaio de gatos. 

Organização da Educação Superior

Em um primeiro nível, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) indica que a educação superior no Brasil ocorre em quatro tipos de cursos:

  • Cursos de graduação;
  • Cursos de pós-graduação;
  • Cursos sequenciais;
  • Cursos de extensão.

Por serem altamente diversificados e de finalidade bastante específica (além de menos populares), optamos por não abordar em detalhes os cursos de extensão.

Cursos de Graduação

Os cursos de graduação são a principal categoria de cursos na educação superior, tanto em oferta de vagas quanto no total de alunos matriculados. São considerados de graduação os cursos de:

  • Bacharelado
  • Licenciatura
  • Tecnologia

Os bacharelados proporcionam a formação exigida para que se possam exercer profissões de nível superior (regulamentadas por lei ou não). Na maior parte dos cursos é expedido o título de bacharel, como em administração e direito, e em alguns casos o título conferido é específico da profissão, como médicos, assistentes sociais ou engenheiros. Isto varia de instituição para instituição.

A licenciatura habilita para o exercício da docência em educação básica (da educação infantil ao ensino médio), embora não seja raro que seus egressos se dediquem à pesquisa e extensão. Confere o título de licenciado para quem o conclui.

Os cursos de tecnologia formam os tecnólogos, e são uma graduação mais ágil e voltada à formação de profissionais para atender campos específicos do mercado de trabalho. Na prática, observamos que estes cursos possuem um currículo mais técnico e prático que os demais, além de serem mais compactos.

Não confundir curso técnico com curso tecnológico! Embora ambos tenham o foco em munir o aluno de conhecimentos teóricos e práticos de um determinado segmento, os cursos técnicos são programas de nível médio (geralmente equivalentes ou complementares ao ensino médio), enquanto que os cursos tecnológicos são de ensino superior, exigindo a conclusão do ensino médio para ingresso.

Aliás, falando em ingresso, a LDB é clara quando define que o ingresso em cursos de graduação e sequenciais ocorre após a conclusão da educação básica (o que inclui, obviamente, o ensino médio) e que a pós-graduação exige diploma de curso superior.

Na graduação em particular, muitos são os casos de mandados de segurança obtidos para que esta regra seja quebrada por estudantes aprovados em vestibulares antes disto. As liminares são concedidas mas, em 100% dos casos, têm o mérito negado ainda no primeiro período de estudos, o que cancela a matrícula.

Cursos de Pós-Graduação

Como o nome sugere, os cursos de pós-graduação são abertos a candidatos diplomados em cursos superiores (sequencial – de formação específica – ou graduação) e que atendam às exigências das instituições de ensino. Na classificação do MEC, as pós-graduações pode ser de dois tipos:

  • Lato sensu: são as especializações com duração mínima de 360 horas e, no Brasil, incluem os cursos designados como MBA – Master of Business Administration. Normalmente são associados a um conhecimento particular de alguma carreira ou área do conhecimento. Tem sido comum que cursos desta modalidade exijam a publicação de um artigo, trabalho de conclusão ou relatório de práticas ao seu término.
  • Stricto sensu: compreendem os programas de mestrado e doutorado, visando a formação de professores universitários e pesquisadores, respectivamente. Ainda que não seja uma exigência legal, na prática o ingresso em cursos de doutorado está restrito a quem possua o diploma de mestre, enquanto que o ingresso no mestrado se dá com diploma de curso superior, mas com maiores exigências acadêmicas do que para uma especialização. Um curso de mestrado é concluído com a defesa e publicação de uma dissertação, e o doutorado com a defesa e publicação de uma tese. Normalmente está associado ao doutorado a exigência de produção de algum conhecimento necessariamente novo. Nada de falar em “tese de mestrado”, combinado? Isto não existe no jargão formal.

Nesta altura da conversa, alguns irão notar a falta de menção ao pós-doutorado e a termos como Ph.D. Falarei, portanto, sucintamente sobre ambos. Os cursos de pós-doutorado são programas de atualização (estudos e/ou estágio) realizados após o doutorado, e não são regulamentados pelo MEC no Brasil. Normalmente são realizados no exterior.

O termo Ph.D., por outro lado, vem do latim philosophiae doctor, ou “doutor em filosofia”, e é utilizado por universidades estrangeiras para nomear programa de formação equivalente ao doutorado no Brasil. Generalizando um pouco, poderíamos afirmar que o Ph.D. é um doutorado feito no exterior. Existem outras siglas específicas de certas áreas, como o MD, usado nas ciências médicas.

Cursos Sequenciais

Os cursos sequenciais são cursos superiores de curta duração (média de dois anos) que buscam capacitar em habilidades específicas de determinadas áreas. Esta modalidade de ensino é de criação recente, surgindo e se popularizando nos anos 2000, e o MEC o classifica em dois tipos:

  • Formação específica: indicada para quem busca formação superior em curto prazo para começar a trabalhar ou se desenvolver no mercado de trabalho. Os cursos devem ter carga horária mínima de 1.600 horas e 400 dias letivos. Parece que não decolaram muito em popularidade.
  • Complementação de estudos: mais populares e de menor duração que a categoria anterior, são indicados para quem já tem uma formação profissional. Costumam ter um escopo e currículo menores e devem ter pelo menos metade de sua carga horária relacionada a um (ou mais) cursos de graduação ministrados na instituição.

Requisitos para Ingresso

A tabela abaixo resume os requisitos básicos para ingresso em cada tipo de curso. Sempre se aplicam as regulamentações da instituição de ensino e legislações específicas do MEC.

Curso Requisito
Cursos Sequenciais (todos os tipos) Ensino médio concluído (no ato da matrícula)
Cursos de Graduação (todos os tipos) Ensino médio concluído (no ato da matrícula)
Pós-graduação – Especialização (MBA) Diploma de curso de graduação
Pós-graduação – Mestrado Diploma de curso de graduação
Pós-graduação – Doutorado Normalmente, se exige o diploma de mestrado
Cursos de Extensão A cargo da instituição que oferece

Titulação

Uma questão importante e pouco conhecida do público em geral são as titulações (ou “grau”) conferidas por cada tipo de curso. Imagino que a maioria saiba que títulos como “bacharel”, “mestre” e “doutor” são corriqueiros no mundo acadêmico (e mesmo fora dele). De fato, é bem objetiva a regulamentação por trás destes títulos (ou graus) acadêmicos, e também grande a confusão no seu uso cotidiano. Além do título, há de se considerar se a modalidade de curso ofertado concede um diploma ou um certificado na sua conclusão.

Tipo Título conferido Documento emitido
Sequencial – Formação Específica Diploma (sem conferir título)
Sequencial – Complementação de Estudos Certificado
Graduação – Bacharelado Bacharel Diploma
Graduação – Licenciatura Licenciado Diploma
Graduação – Específico da Profissão Vários: médico, assistente social, cirurgião-dentista, engenheiro. Diploma
Graduação – Tecnologia Tecnólogo Diploma
Pós-Graduação – Especialização (MBA) Certificado
Pós-Graduação – Mestrado Mestre Diploma
Pós-Graduação – Doutorado Doutor Diploma
Pós-Doutorado Não regulamentado

E se você captou a mensagem da tabela acima, percebeu que caíram por terra algumas expressões comuns. Por exemplo, não existe formalmente o título de “especialista” ou “pós-doutor” na estrutura acadêmica brasileira. Quem conclui uma especialização recebe tão somente um certificado de conclusão, atestando o fato, e em nenhum documento formal se lê “confere o título de especialista”, assim como existe para diplomas de graduação, mestrado ou doutorado. Normalmente, a concessão de título ocorre em função de emissão de diploma, sendo a exceção os cursos sequenciais de formação específica.

O assunto é longo e mereceria mais terreno, mas esperamos sinceramente que o presente artigo contribua com o seu conhecimento e (sendo ousado) com as suas decisões em direção à sua qualificação profissional. De fato, desconheço um caminho mais sólido e “garantido” para o sucesso profissional do que a constante qualificação através da educação.

Referências:
Perguntas frequentes do MEC sobre educação superior: um apanhado dos assuntos deste artigos e muitos mais.
Portal da CAPES: órgão do governo que promove a capacitação de nível superior.
Portal do INEP: excelente fonte de estatísticas sobre educação.

2 comentários sobre “A salada da formação superior

  1. Marco, a respeito do Pós-doutorado, é bom notar que nas instituições estrangeiras esse estágio na verdade é considerado emprego de pesquisa. A grande parte da pesquisa desenvolvida nos países mais adiantados do ponto de vista científico, são feitas por pós-docs. Outra coisa é que, embora raro, pode existir uma tese de mestrado, desde que nela haja algo completamente novo. Em geral, como o mestrado requer mais uma revisão de bibliografia e algo não tão “inovador, chama-se dissertação. De fato, no Reino Unido, o texto entregue a banca de doutorado é chamado “dissertation”. Aqui acabamos confundindo as coisas. No mais, ótimo esclarecimento.

    • Legal, Rafa. Você tem razão sobre o pós-doc e sobre a produção de conhecimento em mestrado. Sobre os termos tese/dissertação, me ative ao vigente no Brasil, e neste caso, mesmo que no mestrado haja produção de conhecimento novo (por definição, uma “tese” defendida), o trabalho final ainda será chamado de dissertação. Até pensei em incluir mais exemplos do exterior, mas me falta domínio e espaço para isto.

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